Dandara Tinoco
BELÉM e RIO - Envelhecer e ser gay. A dupla luta contra o preconceito traz contornos próprios para um grupo que apenas nos últimos anos começou a ter mais atenção da ciência. Hoje se sabe, por exemplo, que eles são mais propensos a sofrer de depressão: 24% das lésbicas e 30%, no caso dos gays, contra 13,5% de heterossexuais. Esses dados do Brasil foram apresentados pela psiquiatra Carmita Abdo, durante o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, realizado esta semana em Belém, no Pará. Solidão e maus tratos, que acometem a população idosa em geral, são ainda mais preocupantes entre os gays.
A tendência não é apenas brasileira. No Reino Unido, a questão da solidão é apontada num amplo estudo divulgado pela YouGov, que mostrou que homossexuais e bissexuais têm três vezes mais chances de envelhecer solteiros. Além disso, ressalta a pesquisa, apenas um quarto de gays e metade das lésbicas têm filhos, em comparação com 90% dos heterossexuais.
— Está claro que eles necessitam de mais cuidados nessa área — defendeu a psiquiatra, colunista do GLOBO e autora de livros como “Descobrimento sexual do Brasil” e “Depressão e sexualidade”.
A precaução já levou o empresário Jorge Barbosa, de 61 anos, a pensar no que fará se precisar de cuidados na velhice. Gay e sem filhos, ele diz que o plano é juntar dinheiro para morar em um local especializado no cuidado de idosos.
— Sou casado, no papel, com uma amiga, mas moramos separados a vida inteira. Já conversamos sobre um dia ir morar em um desses condomínios para velhinhos. Não quero ser um estorvo para ninguém. — conta. — Tive um namorado bem mais novo e ele brincava que, no futuro, me levaria para passear de cadeira de rodas no calçadão de Copacabana. Esse discurso é muito bonito, mas, na prática, sabemos que as coisas são bem diferentes.
Carmita enfatizou que a própria ciência precisou mudar o paradigma diante dos homossexuais e alertou que, nem sempre, os profissionais estão aptos para tratar o grupo:
— Nós, profissionais de saúde, devemos pensar se estamos cumprindo com o nosso papel de isenção diante do paciente, que tem não uma escolha, mas uma orientação sexual que ele é absolutamente incapaz de reverter. A reversão da homossexualidade há muito tempo deixou de ser motivo dos tratamentos psiquiátricos, porque resultava muito mais em suicídio, desenvolvimento de psicose, depressões seríssimas e, na verdade, não se revertia esta condição.
Há pelo menos duas décadas, a Organização Mundial de Saúde retirou da classificação geral das doenças mentais a homossexualidade, e o mesmo ocorreu na última atualização do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), conhecida como a “Bíblia da psiquiatria. No entanto, Carmita lembra, o termo homossexualismo, cujo “ismo” remete à doença, ainda é usado, inclusive, entre profissionais de saúde, enquanto que o aceito é homossexualidade.
Mas se por um lado eles são os mais propensos a viver solitários, por outro, são os mais resistentes a adversidades. Esse grupo sofre altos níveis de violência, seja física ou emocional, além de abusos sexuais, o que os leva a desenvolver a chamada competência em crise. Ou seja, homossexuais passam por tantos desafios na experiência de se assumir que acabam desenvolvendo mais capacidade de enfrentar outras crises, no caso de doenças físicas, por exemplo, ao longo da vida.
— A estigmatização por parte da sociedade acaba sendo um fator protetor para esta população — conclui a psiquiatra.
Aos 71 anos, comemorados ontem, Orlando Almeida, organizador do Miss Gay Rio de Janeiro, concorda. Ele diz que se assumir homossexual “exige atitude”, mas acha que o preconceito tem diminuído ao longo dos anos.
— Sou bem aceito pela sociedade. Sempre tive pulso e força de vontade, por isso nunca me senti vítima dessa coisa de ser chamado de “bicha velha”. Mas sou exceção — diz Almeida, que vive com quatro gatos e um cachorro. — Não moro e nem quero morar com um companheiro, estou bem sozinho. A gente precisa se amar e se respeitar acima de qualquer pessoa.
Há dez anos, um estudo da Universidade da Califórnia, publicado na “American Journal of Psychiatry” já alertava sobre os índices de depressão em homossexuais, na época três vezes mais altos do que em heterossexuais devido a fatores como abuso de drogas e álcool e contaminação por HIV. Na ápoca os pesquisadores sugeriam melhores políticas públicas para tratar a situação. O estudo analisou dados da “Urban Men's Health Study", pesquisa de saúde feita com 2881 homossexuais de São Francisco, Nova York, Chicago, e Los Angeles — as quatro cidades respondiam por dois terços dos casos de Aids nos EUA, e sua população sofria com estigmatização e discriminação.
Maior aceitação nas novas gerações
Segundo dados do estudo apresentado por Carmita Abdo, e que foi realizado pela Universidade de São Paulo (USP), há 2,2% de homossexuais e 1,8% de bissexuais do sexo masculino com mais de 61 anos. Na juventude, este índice sobe para 11% e 3%, respectivamente. Segundo a psiquiatra, não por haver mais gays jovens, mas porque, provavelmente, são mais propensos a se assumir, o que mostra mais aceitação nas novas gerações.
A relação gay no envelhecimento também tem características próprias. Todos passam pelos mesmos problemas hormonais e de progressiva incapacitação física, mas lidam de maneira diferente diante disso. As mulheres gays, por exemplo, enfrentam menos dilemas diante da menopausa. O fato de ambas terem o mesmo desafio hormonal gera cumplicidade. Naturalmente, também o apetite por sexo diminui, mas elas chegam ao orgasmo com mais frequência do que as heterossexuais mais velhas. Entre os homens gays, diz Carmita, o apetite sexual se mantém ao longo da vida, já que a chamada andropausa é pouco incidente, e eles têm recursos farmacológicos para reverter uma possível disfunção erétil.
Mulheres também se cuidam menos e têm mais problemas de saúde, como a obesidade, segundo o estudo. Nos homens, percebe-se o oposto. Mais vaidosos, preocupam-se com a forma física. Em ambos os sexos, gays idosos têm mais risco de doenças cardiovasculares. O câncer de mama também tem diferenças: são 14,1% entre as homossexuais contra 11,9% entre as heterossexuais mais velhas, o que poderia ser explicado pela amamentação (tido como protetor) e hábitos de vida menos saudáveis.
* A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia