RIO- A corrida científica para descobrir se uma pessoa tem o mal de Alzheimer antes de os primeiros sintomas da demência surgirem ganha mais uma via. Cientistas do Centro de Investigação Biomédica em Rede de Doenças Neurodegenerativas (Ciberned), de Barcelona, garantem que encontraram uma forma de saber se um indivíduo desenvolverá a doença com pelo menos dez anos de antecedência, muito antes do que qualquer outro método já descoberto.
O segredo está nas mitocôndrias — organelas que processam a energia nas células — dos neurônios, que formam o tecido destruído pela doença ainda incurável. Onde há DNA de mitocôndria, concluíram os pesquisadores, há neurônios vivos. Logo, quanto menos material genético mitocondrial for encontrado no líquido espinhal, menores as chances de os neurônios sobreviverem.
Mitocôndrias são partes especiais das nossas células porque têm DNA próprio, diferente daquele que compõe o núcleo. Como há células nervosas no líquido espinhal, os pesquisadores do Ciberned explicam que a medição do nível de DNA mitocondrial dos neurônios pode ser feito por meio de uma punção na região lombar.
Foram estudados 282 voluntários, entre eles pessoas com histórico familiar de Alzheimer, com e sem sintomas, e com diferentes concentrações de outros fatores de risco já conhecidos pela ciência: a proteína beta-amiloide, a proteína tau e mutações no gene PSEN1. Também foram analisadas pessoas sem qualquer histórico ou fator de risco, para comparação.
Doença afeta 1,2 milhão no Brasil
Caso a descoberta — publicada na “Annals of Neurology“ — torne-se viável clinicamente, abrirá portas para tratamentos mais eficientes, conclui o líder da pesquisa, Ramón Trullas. Mas, ao mesmo tempo, saber com tanta antecedência se a pessoa terá uma doença incurável criará novos desafios na relação com o paciente.
— É extremamente importante identificar a neurodegeneração em estágios iniciais antes de atingir o nível de sintomas clínicos irreversíveis — diz Ramón Trullas. — Se o conteúdo de DNA das mitocôndrias for validado como biomarcador da doença de Alzheimer, vai ajudar no diagnóstico (no caso de pessoas ainda sem sintomas clínicos). No segundo grupo (dos que têm sintomas), pode ajudar a monitorar o progresso da doença e auxiliar no desenvolvimento de novos tratamentos.
O próprio autor do estudo, no entanto, pondera que o método só poderá ser considerado eficaz quando passar por novos testes, em outros laboratórios.
Especialistas brasileiros evitam a empolgação, mas apontam avanços. Estima-se que há mais de 1,2 milhão pacientes de Alzheimer no Brasil. Atualmente, o diagnóstico pré-clínico — antes dos sintomas — é feito por meio de testes que dão apenas probabilidades de risco, como os exames de ressonância magnética ou uma tomografia por emissão de pósitrons. Há também exames que detectam, por meio de uma punção, a presença das proteínas beta-amiloide e tau. Mas estes não oferecem um diagnóstico tão precoce como sugere o novo estudo.
— Pode-se ter a impressão de que se o exame com o novo marcador for feito, a pessoa saberá com precisão se vai ter ou não a doença. Não é bem assim. Na realidade, testes como esses mostram que as pessoas estão em um grupo com risco muito mais elevado de desenvolver a doença — pondera o neurologista Paulo Bertolucci, diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer.
Bertolucci lembra que, mesmo com a falta de precisão nos diagnósticos pré-clínicos, é grande a busca por medicamentos que atuem nessa fase inicial:
— É preciso estabilizar a doença quando os lapsos de memória são pequenos e não quando há sofrimento.
Com o diagnóstico em mãos, é possível mudar hábitos que são considerados fatores de risco da doença, como inatividade intelectual, falta de atividade física, hipertensão ou diabete na meia idade mal controlados, obesidade, depressão e tabagismo.
— O diagnóstico pode ter vantagem, mas saber que se está condenado a ter uma doença incurável no período de dez anos é muito difícil do ponto de vista psicológico — avalia Salo Buksman, diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.